Escalas dos quatro hospitais municipais não terão reforços nos dias de folia. No sábado, quando 2 milhões de pessoas desfilam no Cordão da Bola Preta, apenas um neurocirurgião estará de plantão no Hospital Souza Aguiar, maior emergência do Rio e referência para a região central da cidade
Ano a ano, cresce a multidão que se diverte no carnaval carioca. Para a festa que começa oficialmente no sábado – mas que já movimenta a cidade há pelo menos dois fins de semana – são esperados cerca de 900.000 turistas no Rio, que se somam a outras centenas de milhares de moradores em blocos, bailes e nos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Esse fluxo de gente, capaz de reunir cerca de 2 milhões de pessoas nos desfiles dos principais blocos, como o Cordão da Bola Preta, que acontece no próximo sábado ao meio-dia, não é acompanhado, no entanto, de um esquema de atendimento de saúde compatível. O Sindicato dos Médicos do Rio, o Conselho Regional de Medicina (Cremerj) e a Comissão de Saúde da Câmara Municipal alertam que o quadro de médicos dos grandes hospitais públicos, insuficientes para o atendimento cotidiano da população, não está preparado para grandes eventos. E não há previsão de reforço nas emergências.
O mais tradicional dos blocos é um exemplo do descompasso entre público e disponibilidade de médicos. A escala do Hospital Souza Aguiar, maior emergência do Rio e referência para a região central da cidade, onde acontece o desfile do Cordão da Bola Preta, tem previsão de apenas um neurocirurgião para o sábado, durante o dia. O total de médicos na unidade, no horário em que o Bola Preta estiver ocupando toda a extensão da Avenida Rio Branco, é de 28 profissionais. A recomendação do Cremerj é de que cada plantão em dias normais tenha no mínimo dois neurocirurgiões, mas a Secretaria Municipal de Saúde informou ao site de VEJA que segue a recomendação do Ministério da Saúde, que prevê apenas um médico dessa especialidade, com “outros alcançáveis”, para a necessidade de deslocamento. O neurocirurgião entra em ação com frequência em casos de acidentes, tumultos, quedas. Estar alcançável durante o carnaval não é algo simples, dado o grande número de ruas bloqueadas e de mudanças no esquema de trânsito.
A falta de um neurocirurgião foi fatal para a menina Adrielly Vieira, 10 anos. A criança, atingida por um tiro na cabeça na noite do último Natal, foi obrigada a esperar por mais de oito horas por uma cirurgia. O único neurocirurgião escalado para a noite do Natal faltou o plantão e a criança não foi transferida. Adrielly morreu no dia 30 de dezembro.
A escala de plantão dos médicos nos quatro hospitais municipais do Rio, obtida pela reportagem do site de VEJA, é a da semana de 1º a 8 de fevereiro. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a tendência é de repetição desse quadro de médicos no Carnaval. A escala definitiva para o fim de semana do Carnaval só será divulgada na sexta-feira. Ou seja: há tempo de corrigir a distribuição, mas dificilmente há médicos para tornar o atendimento satisfatório em toda a cidade.
“Um neurocirurgião não pode dar plantão sozinho. Um acidente de carro, por exemplo, geralmente tem mais de uma vítima precisando ser avaliada ou operada. E se aquele único especialista de plantão estiver operando, o que ele faz? Ele tem que escolher quem ele vai salvar, quem ele vai atender primeiro. Isso é dramático. E o médico não estuda, não se forma para isso”, afirma a médica Márcia Rosa Araújo, presidente do Cremerj.
Na próxima sexta-feira, dia 8, a escala já divulgada prevê apenas um neurocirurgião para o plantão noturno do Hospital Souza Aguiar. Segundo a RioTur, são esperadas cerca de 24 mil pessoas em nove blocos na região central da cidade.
“A Secretaria não tem um planejamento específico para os dias de carnaval. Isso deveria existir porque a aglomeração de pessoas em locais concentrados nos blocos e nos desfiles e o uso de bebida alcoólica aumentam muito o risco de acidentes. E é preciso lembrar também que a demanda rotineira desses hospitais, já superlotados, com macas nos corredores e pacientes esperando cirurgias de emergência, não é interrompida no carnaval. As pessoas continuam sentido dores, enfartando, sofrendo quedas”, afirma Pinheiro.
No Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, não há neurocirurgiões escalados entre os dias 1º e 8 de fevereiro. O problema deve se repetir no carnaval, quando a região reunirá milhares de pessoas em blocos e nas praias. Nesta terça-feira, o médico Júlio Noronha, vice-presidente do Sindicato dos Médicos, afirmou que enviará um ofício para a chefe de polícia do Rio, delegada Marta Rocha, relatando a falta de médicos nas unidades de saúde. O objetivo, segundo Noronha, é evitar a prisão de médicos nas unidades de saúde. “Nosso objetivo é informar à chefe de polícia que os médicos não atendem a população com a rapidez necessária porque o número de médicos nas emergências é muito pequeno para a quantidade de pacientes. Mais de uma vez o sindicato precisou intervir para que um médico pudesse voltar ao hospital depois de ter recebido voz de prisão”, diz Noronha, acrescentando que além de atrasar ainda mais o atendimento, a prisão dos médicos faz com que eles não consigam voltar a atender naquele dia.
Em entrevista ao site de VEJA, em setembro de 2012, pouco antes do primeiro turno das eleições, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse que a saúde era o principal problema da cidade. A afirmativa veio depois de uma pesquisa DataFolha apontar que 46% do eleitorado carioca acreditava ser a saúde o principal problema do Rio. “Se o Datafolha tivesse me entrevistado eram 47% (risos). Também diria que é o pior problema do Rio. Não tenho dúvida de que a saúde é o desafio da cidade. Mas vamos olhar o que encontramos e o que achamos. A saúde estava suborçada, com o piso exigido pela constituição. Tínhamos sofrido intervenção federal pelo descaso com a rede de saúde daqui. A gente vem promovendo uma grande revolução nessa área”, disse no ano passado.
O prefeito prometeu investir 70% do orçamento em saúde até o fim de sua nova gestão. “Há uma população desassistida ainda, que representa uma parcela importante. A rede ainda não está organizada da forma que gostaria. Poderia aqui apontar causa externa, como a pressão da região metropolitana ou investimento insuficiente em saúde. É a área que mais me dedico, é o principal problema, é o que mais faz o carioca sofrer. A saúde é o desafio do Brasil”, afirmou.
Por veja
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